quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ESQUISTOSSOMOSE | Sintomas e tratamento

A esquistossomose, também conhecida como barriga d’água ou doença do caramujo, é uma infecção causada por parasitas do gênero Schistosoma. Existem seis espécies de Schistosoma, a saber: S. mansoni, S. hematobium, S. intercalatum, S. japonicum, S. malayensis e S. mekongi. Neste texto vamos nos ater apenas ao Schistosoma mansoni (S. mansoni), já que das seis espécies esta é a única presente no continente americano.


Informação para trabalhos escolares: o verme causador da esquistossomose no Brasil é o Schistosoma mansoni, um helminto pertencente à classe dos Trematoda, família Schistosomatidae e gênero Schistosoma.
Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que cerca de duzentos milhões de pessoas em todo mundo estejam infectadas pelo Schistosoma mansoni, que é encontrado em 54 países da África, Ásia e América do Sul. Nas Américas, registra-se área endêmica na Venezuela, nas ilhas do Caribe e no Brasil.
No Brasil, estima-se que aproximadamente 25 milhões de pessoas sob risco de contrair a doença e que até 6 milhões já se encontram infectadas. A esquistossomose é endêmica nos Estados de Alagoas, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Espírito Santo e Minas Gerais. No resto do país a transmissão é pequena, não atingindo grandes áreas.

Ciclo da esquistossomose

O S. masoni é um parasita que apresenta um hospedeiro intermediário: o caramujo, e um hospedeiro definitivo: o ser humano.
Vamos iniciar a explicação do ciclo com o exemplo de um humano contaminado.
O S.mansoni adulto vive nas veias mesentéricas, as responsáveis por drenar o sangue dos intestinos, rico em alimentos digeridos, e levá-lo para o fígado. Esta informação é importante para entender os sintomas da esquistossomose explicados mais à frente.
Estando hospedado nestas veias, o S.mansoni produz milhares de ovos que conseguem atravessar as paredes dos vasos sanguíneos em direção aos intestinos, sendo, assim, eliminados nas fezes.
A partir deste ponto, duas condições se fazem necessárias para a continuação do ciclo. A primeira é o contato dos ovos com a água, pois é nesse momento que eles eclodem, liberando o seu embrião, que recebe o nome de miracídio. A segunda condição é a presença do caramujo do gênero Biomphalaria nas águas contaminadas, pois somente dentro deles é que os miracídios conseguem chegar à forma de larva.
Os locais mais perigosos para a transmissão da esquistossomose são lagos e represas que recebem esgoto não tratado e que abrigam caramujos. Além do despejo de esgoto, se pessoas contaminadas evacuarem próximo às margens do lago, também há risco de contaminação da água.
Após invadirem o caramujo, os miracídios se multiplicam e em 3 a 6 semanas se transformam na larva infectante, chamada de cercária. Uma vez formadas, as cercárias abandonam o caramujo e sobrevivem por até 48h à procura do hospedeiro definitivo (homem). Os caramujos infectados eliminam cercárias por toda a vida, que é aproximadamente de um ano.
O horário no qual as cercárias são vistas em maior quantidade na água e com maior atividade é entre 10 e 16h, quando a luz solar e o calor são mais intensos. As primeiras horas na água são o momento no qual as cercárias estão mais infectantes.
Ao encontrar um ser humano, as cercárias são capazes de penetrar profundamente a pele até encontrarem um vaso sanguíneo. Pés e pernas são os pontos mais frequentemente invadidos. A cercária é capaz de penetrar pele sã. Não é preciso haver feridas para que a larva consiga invadir o corpo.
Além do contato direto com a pele, o ingestão de água contaminada com cercárias também é uma via de contaminação pelo S. mansoni.
Estas duas são as únicas vias de contaminação do homem. O contato direto com fezes contaminadas não é capaz de transmitir a esquistossomose. O ovo precisa da água para liberar o miracídio, que por sua vez precisa do caramujo para  se transformar na larva infectante.
Após penetrar a pele e encontrar sangue, a larva viaja pelas veias, passa pelo coração, atinge os pulmões e por fim, chega ao fígado. Durante essa viagem, que dura vários dias,  as cercárias sofrem  nova transformação, sendo agora chamadas de esquistossômulos.
No fígado os esquistossômulos finalmente atingem a maturidade, sendo agora as formas adultas machos e fêmeas capazes de se acasalarem. Após o acasalamento, macho e fêmea migram para as veias mesentéricas onde serão depositados os ovos, reiniciando todo o ciclo descrito.
A ilustração abaixo resume o ciclo da esquistossomose.
ciclo esquistossomose
ciclo da esquistossomose
O ser humano infectado pelo S. mansoni começa a eliminar ovos a partir de 5 semanas após a infecção. Se não tratado, o indivíduo pode permanecer eliminando ovos por até 20 anos (média de 6 a 10 anos).  Os caramujos infectados eliminam cercárias por toda a vida, que é aproximadamente de um ano.

Prevenção da esquistossomose

A suscetibilidade ao verme é universal, isto é, qualquer pessoa, independente de idade, sexo ou grupo étnico, que entre em contato com as cercárias pode contrair a doença. Não existe vacina, portanto, a forma ideal de prevenir a esquistossomose é evitando o contato com o parasita.
Para evitar que lagos e represas se contaminem é importante não haver despejo de esgoto não tratado. É preciso também conscientizar a população que não se deve evacuar em áreas próximas a águas onde as pessoas se banham ou bebem.
Locais de água doce parada apresentam maior risco. Lagos e represas onde vivem caramujos são os locais mais perigosos. Rios e riachos também podem ser locais de contaminação, mas a corrente tende a dificultar o encontro do miracídio com o caramujo e da cercária com humanos.
Se o contato com água contaminada for inevitável, use calças, botas e luvas de borracha. Dê preferência a horários com menos luminosidade e calor.
Uma vez identificado o local de transmissão da esquistossomose, cabe às autoridades sanitárias a destruição do habitat das larvas e a vigilância para o diagnóstico e tratamento precoce das pessoas infectadas.

Transmissão da esquistossomose

Apenas resumindo o que foi explicado em detalhes na primeira parte,  a esquistossomose é uma doença causada por um parasita que habita os vasos sanguíneos do sistema intestinal. Lá ele libera milhares de ovos que são eliminados nas fezes. O embrião contido nestes ovos, chamado miracídio, precisa da água para se libertar e do caramujo para se multiplicar. Grandes reservas de água doce parada, como lagos e represas, que sejam habitadas por caramujos, são os locais ideais para a proliferação da esquistossomose. Após a multiplicação dentro do caramujo, o miracídio se transforma em larva, chamada de cercária, e retorna para a água. Qualquer pessoa que se banhe ou beba água contaminada com cercárias pode se infectar. A larva penetra a pele, atinge os vasos sanguíneos e vai em direção ao fígado e aos vasos dos intestinos, onde coloca seus ovos, reiniciando o ciclo.

Sintomas da esquistossomose

Coceira do nadador - esquistossomose
a. Infecção inicial
Os primeiros sintomas da infecção pelo Schistosoma podem ocorrer imediatamente após a invasão da pele pelo parasita. A penetração da pele por cercárias pode provocar a chamada “coceira do nadador”. Trata-se de uma ou mais lesões, tipicamente nas pernas ou pés, em forma de pápulas vermelhas que causam intenso comichão.
Nem todas as pessoas infectadas pelas cercárias apresentam esta lesão de pele. Quando ela ocorre, um formigamento imediato e um comichão no local de entrada podem surgir, seguidos por uma erupção papular pruriginosa (veja foto ao lado) que aparece dentro de 12-24 horas, podendo durar mais de uma semana.
É importante salientar que a coceira do nadador também pode ser causada por outras espécias de Schistosomas, que infectam aves e outros mamíferos, não sendo capazes de infectar o ser humano. Nestes casos a cercária invade a pele mas é eliminada pelo organismo após algumas horas sem causar maiores consequências. No continente americano apenas  as cercárias do S.mansoni são capazes de sobreviver e causar esquistossomose em humanos.
A maioria das pessoas que vivem em regiões endêmicas do S.mansoni são contaminadas ainda na infância e permanecem com o parasita em seus sistema digestivo silenciosamente por muitos anos. Às vezes, os sintomas inicias são pouco importantes e acabam sendo confundidos com algumas doenças comuns da infância.
b. Febre de Katayama
O período de incubação da esquistossomose, ou seja, o intervalo entre a contaminação e os primeiros sintomas da doença em si, é de um a dois meses, que corresponde à fase de penetração das cercárias, seu amadurecimento até a forma adulta e a instalação dos S. mansoni adultos no interior dos vasos sanguíneos do hospedeiro definitivo.
A Febre de Katayama é a fase aguda da esquistossomose, sendo causada por uma reação do sistema imune à migração e à produção de ovos do parasita no organismo. Ocorre entre duas a oito semanas após a exposição. A fase aguda surge habitualmente em viajantes que não vivem em áreas endêmicas e nunca tiveram contato prévio com o parasita. Indivíduos que vivem em áreas endêmicas e já foram expostos ao  S. mansoni durante a infância não costumam apresentar sintomas iniciais.
Os sintomas da febre Katayama incluem febre, calafrios, dor muscular, dor nas articulações, tosse seca, diarreia, perda do apetite e dor de cabeça. Durante o exame físico podem ser encontrados aumento de linfonodos (gânglios) e hepatoesplenomegalia (inchaço do fígado e do baço). Os sintomas geralmente desaparecem espontaneamente durante um período de algumas semanas. Em raros casos, se houver uma invasão maciça de parasitas e a reação imunológica for muito intensa, o paciente pode evoluir para o óbito.
c. Infecção crônica pela esquistossomose
Ao contrário do que ocorre na fase aguda, as complicações relacionadas à esquistossomose crônica são mais comuns em áreas endêmicas, onde os indivíduos estão em maior risco de uma elevada carga de parasita e contaminações frequentes. Porém, é importante salientar que nem todos os pacientes contaminados com o parasita desenvolvem sintomas da esquistossomose crônica. Alguns pacientes permanecem contaminados, eliminando ovos nas fezes, mas sem apresentar sinais de doença.
EsquistossomoseA forma crônica inicia-se a partir do sexto mês após a infecção, podendo durar vários anos. A gravidade da forma crônica está relacionada com a quantidade de parasitas e a localização onde eles depositam seus ovos.
O Schistosoma geralmente se localiza nas veias mesentéricas, que são os vasos que drenam o sangue dos intestinos.  As veias mesentéricas drenam o sangue em direção à via porta, que é uma grande veia que recebe todo o sangue do sistema digestivo e o leva até o fígado.
Os ovos do parasita são geralmente depositados nas veias mesentéricas, mas podem migrar tanto para o intestino quanto para a veia porta e fígado.
A esquistossomose crônica, que é muito mais comum do que a forma aguda da infecção, é causada pela reposta imune do organismo aos ovos, resultando em intensa inflamação dos tecidos acometidos e evolução para granulomas e fibrose (substituição do tecido normal por tecido cicatricial).
A forma crônica da esquistossomose apresenta as seguintes formas:
Esquistossomose intestinal 
A retenção de ovos na parede do intestino causa diarreia sanguinolenta, cólicas e emagrecimento. A intensa resposta inflamatória do corpo contra os ovos pode causar ulcerações na parede do intestino, granulomas e obstrução à passagem das fezes.
Esquistossomose hepatoesplênica
Pacientes contaminados com uma grande carga de parasitas são mais propensos a produzir a doença no fígado. Os ovos do parasita tendem a migrar e se depositar na veia porta, causando inflamação e obstrução a passagem do sangue por fibrose.
Como todo o sangue vindo sistema gastrointestinal passa pela veia porta antes de chagar ao figado e ir em direção ao resto do corpo, uma obstrução nesta região causa um imenso “engarrafamento” de sangue, que leva ao que chamamos de hipertensão portal. Se o sangue não chega ao fígado ele tem que arranjar outras vias para chegar ao resto do corpo, formando uma circulação colateral (veja foto ao lado).
A hipertensão portal é a responsável pelas complicações da forma hepatoesplênica da esquistossomose, entre elas, ascite (barriga d’água – leia: ASCITE | Causas e tratamento), esplenomegalia (aumento do baço) e varizes do esôfago. As varizes do esôfago são uma complicação temida da hipertensão porta, pois podem romper-se causando grave hemorragia digestiva e vômitos sanguinolentos.

Diagnóstico da esquistossomose

Como muitos pacientes contaminados pelo S. mansoni permanecem assintomáticos, a suspeita da infecção muitas vezes surge por acaso através de exames rotineiros de sangue. No hemograma é possível detectar anemia e aumento dos eosinófilos (leia nosso texto sobre hemograma para entender mais estes resultado: HEMOGRAMA | Entenda os seus resultados.), dois dados que falam a favor de uma infecção por parasitas.
O diagnóstico é feito através do exame parasitológico de fezes (leia: VERMES | EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES), que é capaz de detectar os ovos do Schistosoma. O parasitológico, porém, só costuma detectar ovos após seis semanas de contaminação. Se a suspeita de esquistossomose for grande, mas o exame de fezes for negativo, a biópsia do reto (porção final do intestino logo antes do ânus)  pode detectar os ovos.
Nos pacientes com sinais clínicos de hipertensão portal, a ultrassonografia pode ser útil em identificar a fibrose na veia porta causada pela deposição dos ovos do Schistossoma.
Análises de sangue específicas contra o S. mansoni estão em desenvolvimento, mas ainda não estão disponíveis para a população.

Tratamento da esquistossomose

O Praziquantel é o medicamento de escolha contra a esquistossomose. A dosagem recomendada é de 60 mg/kg para crianças até 15 anos e 50 mg/kg para adultos, ambos em dose única. O medicamento é apresentado em comprimidos de 600 mg, divisível em duas partes iguais, de modo a facilitar a adequação da
dose.
Uma alternativa ao Praziquantel é o Oxamniquine, recomendado na dosagem de 15 mg/kg para adultos e 20 mg/kg para crianças até 15 anos, ambos também em dose única. Existem duas apresentações: cápsulas de 250 mg e suspensão contendo 50 mg por cada ml.

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